ah, contemplar a existência
ouvir a infinita cadência
as etéreas vozes astrais

sem resistência
com toda a veemência
entregar-me ao Absoluto
sem querer nada mais

a sutileza domina minha essência
e me despe de prudência
só me resta dançar e dançar
ao sabor dos ventos espirituais

(imagem de Mahmoud Farshchian)


cabeçuda e largada na relva, foto-folhagem desde os mais tenros dias de minha existência...

foto de Araquém Alcântara

Papai, mamãe e eu no orquidário
foto de Araquém Alcântara

Palavras de Araquém Alcântara, quando eu nasci, ou a primeira carta que recebi na vida.



Sabe, Melissa, ontem enquanto os corpos descansavam, eu ouvi Gênesis junto contigo, numa imensa bola de espuma cor-de-rosa, que flutuava sobre a noite e resplandecia de estrelas.

Do ventre da chuva (aqui chove muito, Melissa) pintou o farol de raios brilhantes que parecia vir de muito longe e ao mesmo tempo parecia brotar dos teus olhos. Se fico assim em dúvida, Melissa, é porque não conheço muito dessas coisas celestes, mas se o farol veio de longe, o ponto de partida foi uma grande inteligência. Porque eu vi rasgar o céu, as espumas se formarem, e você, como dentro de Helena, parecia me chamar pra passear. E me chamava com os olhos de quem acorda num berço-branco-sabendo-que-é-filha-das-estrelas.

Eu fiquei confuso com tudo isso e daí a razão da dúvida, que, afinal de contas, não tem muita importância; mesmo porque você logo me demonstrou que não admitia um companheiro de viagem que tivesse dúvidas sobre qualquer coisa.

Quando irrompeu da terra aquela força que me ergueu como línguas de fogo, os raios fizeram um fussssssshhh e se concentraram como uma aura protetora em volta do teu corpo. Certamente, porque mesmo sendo teu companheiro de viagem, eu ainda não estava preparado para conviver com aqueles que estão mais perto.

Puxa, como o balão girou debaixo das estrelas e quantas cambalhotas nós demos dentro dele. Girou, girou...e nós dois nos afundamos na espuma.

Foi quando passamos por aquela ilha azul, não sei se você se recorda. Naquele momento eu tive uma visão do futuro. Não sei como te dizer isso, agora que penso essas coisas caminhando sobre essa calçada de apenas 1975 anos. Nem sei se foi visão, mas de qualquer jeito, Melissa, eu vi milhares de crianças infinitamente formosas, cobertas de brancas peles de carneiro, voando em formação sobre uma cidade irreconhecível.

E sabe o que elas traziam sob as cobertas, Melissa? Milhares de bebês iguais a você, com as chaves da redenção guardadas no peito.

Irradiações de paz,

do teu irmão Araquém

 UM  FAROL
que achei nos meus desenhos antigos, com lápis aquarelável
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a vastidão que me persegue
e me envolve em um encontro
roça meu peito com cores afáveis
aveludadas como um manto

sinto que a vastidão me quer
eu sou o que lhe falta
para completar o infinito

ela abre frestas na bolha em que nasci
e partilha comigo o ar que nutre os seres
preenche minhas lacunas com essa leve substância
e refresca o ardor das referências

em rodopios incontáveis
dentro desses caminhos arabescados
a vastidão me consolou
e me presenteou com a eternidade