Ah,
sinto tanto a minha falta em meio à multidão...
Onde estou?
Perdida entre tagarelas que não sentem a menor falta de si mesmos
e suas vozes machucam meus ouvidos, que não tem escolha...
carregadas de vazio, discorrem sobre as mais insignificantes das insignificâncias
e dão tons de importância à suprema irrelevância
e assim, os cativos da banalidade dominante continuam suas vidas em direção ao calabouço final da morte
***
*
Sublime é o amor

("Maternidade" por Mahmoud Farshchian)


ouvi Teu chamado ressonante
Tua voz inaudível dentro do coração
acordei na madrugada transbordante
de brilhante azul, de Teu corpo emanação
e, quase refeita,
abri os braços ao Teu encontro
em Ti minha alma se deleita
só Tua Glória é o meu conforto
eu sei de Ti, eu sei de meu Amor
dou-Te a minha vida, fico à Tua espera...
Deus meu, eu sou toda clamor!
e flutuo em Tua ternura, nessa manhã sincera...
*
***
*
Deixa


Deixa eu sentir o sol na pele, por favor
Deixa eu sonhar e esquecer esse estupor

Deixa eu unir num só ato
o riso e o desacato
que me causam esse fulgor

Como explicar o amor?

Deixa eu cantar brandamente
enquanto a luz se desfaz
no horizonte redentor...

Deixa eu ser esse tanto
mesmo que te cause espanto...
não posso conter o encanto
de ser como me fez Nosso Senhor!


Torres
Celestiais
(óleo sobre tela)
Pintei o que vi com os olhos da mente.
Simples, adorável, reconfortante, doce cumplicidade.


O Presente
***


cada dia que se passa
contigo assim tão junto
tem no desconhecido a sua graça
ó Vida de mistério profundo!

*
é tão simples sensação
tão plena, flutuante
os pés destocam o chão
singeleza desconcertante!

*
faço versos tão purinhos
assim sem pressa nem desgaste
com o aconchego de um ninho
onde tu te recostastes!

haja vista o nunca visto
é suprema a novidade
de um destino imprevisto
presente da Divindade!

*
*
Surrounded by God's Benevolence
*
*
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....................................o Êxtase...........................

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Arrepios delirantes de inocências espirituais
*
Flutuantes emanações percorrem os canais vitais
*
As lágrimas quentes do Amor Divino formam mananciais
*
Anjos levitantes sussurram cânticos celestiais
*
O Reino Absoluto abre seus portais
***
imagem:
"Êxtase de Santa Teresa" - escultura de Bernini

s
u
c
i
n
t
a
-
me.

suscite-
me.

só,
sinta-me.


se a noite é latejante
e grita urgências esquecidas
a alma, de sentido esvaída
apruma-se sobrepujante

lúdicas aspirações
sentimentos, empatias
consomem as tardes dos dias
venenos, néctares, poções

mesmo em triste terra
ainda brota semente pura
surge sublime criatura
mira o céu e a angústia encerra


tomei decisões quentes
separei-me dos que rangem os dentes
com raiva de não sei quê!

empunhei armas inocentes
para alertar os ainda não clarividentes
dessa verdade que demora a aparecer

então me recolhi dentro semente
como se voltar pudesse eu
a um estado puro e latente
do amanhecer que ainda é breu
.
imagem:
The Valkyrie's Vigil
Edward Robert Hughes


ah, contemplar a existência
ouvir a infinita cadência
as etéreas vozes astrais

sem resistência
com toda a veemência
entregar-me ao Absoluto
sem querer nada mais

a sutileza domina minha essência
e me despe de prudência
só me resta dançar e dançar
ao sabor dos ventos espirituais

(imagem de Mahmoud Farshchian)


cabeçuda e largada na relva, foto-folhagem desde os mais tenros dias de minha existência...

foto de Araquém Alcântara

Papai, mamãe e eu no orquidário
foto de Araquém Alcântara

Palavras de Araquém Alcântara, quando eu nasci, ou a primeira carta que recebi na vida.



Sabe, Melissa, ontem enquanto os corpos descansavam, eu ouvi Gênesis junto contigo, numa imensa bola de espuma cor-de-rosa, que flutuava sobre a noite e resplandecia de estrelas.

Do ventre da chuva (aqui chove muito, Melissa) pintou o farol de raios brilhantes que parecia vir de muito longe e ao mesmo tempo parecia brotar dos teus olhos. Se fico assim em dúvida, Melissa, é porque não conheço muito dessas coisas celestes, mas se o farol veio de longe, o ponto de partida foi uma grande inteligência. Porque eu vi rasgar o céu, as espumas se formarem, e você, como dentro de Helena, parecia me chamar pra passear. E me chamava com os olhos de quem acorda num berço-branco-sabendo-que-é-filha-das-estrelas.

Eu fiquei confuso com tudo isso e daí a razão da dúvida, que, afinal de contas, não tem muita importância; mesmo porque você logo me demonstrou que não admitia um companheiro de viagem que tivesse dúvidas sobre qualquer coisa.

Quando irrompeu da terra aquela força que me ergueu como línguas de fogo, os raios fizeram um fussssssshhh e se concentraram como uma aura protetora em volta do teu corpo. Certamente, porque mesmo sendo teu companheiro de viagem, eu ainda não estava preparado para conviver com aqueles que estão mais perto.

Puxa, como o balão girou debaixo das estrelas e quantas cambalhotas nós demos dentro dele. Girou, girou...e nós dois nos afundamos na espuma.

Foi quando passamos por aquela ilha azul, não sei se você se recorda. Naquele momento eu tive uma visão do futuro. Não sei como te dizer isso, agora que penso essas coisas caminhando sobre essa calçada de apenas 1975 anos. Nem sei se foi visão, mas de qualquer jeito, Melissa, eu vi milhares de crianças infinitamente formosas, cobertas de brancas peles de carneiro, voando em formação sobre uma cidade irreconhecível.

E sabe o que elas traziam sob as cobertas, Melissa? Milhares de bebês iguais a você, com as chaves da redenção guardadas no peito.

Irradiações de paz,

do teu irmão Araquém

 UM  FAROL
que achei nos meus desenhos antigos, com lápis aquarelável
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a vastidão que me persegue
e me envolve em um encontro
roça meu peito com cores afáveis
aveludadas como um manto

sinto que a vastidão me quer
eu sou o que lhe falta
para completar o infinito

ela abre frestas na bolha em que nasci
e partilha comigo o ar que nutre os seres
preenche minhas lacunas com essa leve substância
e refresca o ardor das referências

em rodopios incontáveis
dentro desses caminhos arabescados
a vastidão me consolou
e me presenteou com a eternidade